MEA CULPA, MEA CULPA, MEA MÃXIMA CULPA
Despojado das coisas materiais como São Francisco de Assis, Frei Orestes Girardi, “só possuiu, desde o inÃcio de sua vida na Ordem até a sua morte, um hábito, uma corda e uns calções e nada mais.
Guardava, porém, um rico tesouro no coração: o amor a Deus acima de todas as coisas e o devotamento à s crianças pobres, pela quais ofereceu sua vida na terra. É incrÃvel que ainda possamos encontrar uma projeção do “pobrezinho de Assis†no triste e decadente final do século XX, atormentado pela falência espiritual do homem e açoitado pelas doenças malignas, a indigência espiritual e o derramamento de sangue inocente.
Não obstante a nossa profunda perplexidade é certo que Frei Orestes Girardi foi um dos mais fiéis discÃpulos de São Francisco de Assis.
Pequenino e doente, pobre e deformado, foi um nobre cavaleiro no incessante desafio de lutar contra as hordas terrÃveis do egoÃsmo; foi um valente guerreiro na tutela dos direitos das crianças pobres e foi um pertinaz combatente na defesa dos ideais do Nosso Senhor Jesus Cristo.
“DaÃ-me a palavra e eu conquistarei o mundoâ€, proclamou Disraeli.
E o pequenino Irmão Franciscano tomou a palavra dos Santos Evangelhos e, com destemor e coragem, enfrentando a incredulidade e o desamor, realizou em pedra e cal, a impressionante missão franciscana, tantas vezes pregada e apregoada retoricamente nos púlpitos dos altares e nas tribunas polÃticas.
Ele concretizou e realizou a Palavra do Senhor à sombra tépida e agalhasadora do “Povorelho†de Assis.
Digam-no as centenas de crianças, alguns já jovens e adultos, de Campos do Jordão, Paraisópolis, Brasópolis, Pedralva, as três últimas cidades do Estado de Minas Gerais.
Andou bem Alceu Amoroso Lima quando insinuou a existência de duas categorias de cristãos: “os que adoram o Cristo e os que imitam o Cristoâ€.
Não há a menor sombra de dúvida de que o frágil e valente Frei Orestes incorporou-se à turba dos cristãos-soldados, para os quais a vida cristã não é um doce paraÃso celestial, mas, uma arena de luta em favor dos desprotegidos pela sorte, e sobretudo, pelas crianças que não pediram para nascer e que não sabem e não podem enfrentar a ignorância, a doença e a fome.
Quantas vezes assisti Frei Orestes bravo e destemperado; não era somente um religioso, mas, um soldado franciscano, enfrentando com sacrifÃcio e sofrimento, a gama fantástica do materialismo egoÃsta que sufoca os corações, petrificados pelo ódio e a intolerância.
Com certeza, ela não falou aos pássaros e aos bichos, nem às águas e às árvores, como São Francisco. Falou aos homens e às mulheres sobre o dever moral e cristão de cada cidadão para com as crianças de sua cidade que tem fome e tem frio.
E dedicando a sua vida a essa nobre causa, recusou-se a viver por viver, acomodado no fluir célere dos dias que se sucedem e na mediocridade das horas do cotidiano da impassividade.
Homem de Deus, ele tornou palpáveis e concretas as palavras do Senhor: “Venham a mim as criancinhas porque delas é o reino dos Céusâ€, e tendo-as ao seu regaço, proporcionou-lhes assistência espiritual, material, médica, odontológica e educacional.
No inÃcio dos anos 60, ao tempo do nascedouro da SEA, duas classes começaram a funcionar em um tosco barracão, comprado por Frei Orestes por 250 contos.
De repente, levantou-se uma voz na tribuna da Câmara Municipal – era um jovem e fogoso vereador que reclamava da construção de Frei Orestes, denunciando que o barracão poderia desabar sobre as crianças.
O Irmão Franciscano tomou o melhor caminho, foi falar com o jovem e inexperiente vereador, e, depois de muita insistência, colocou-o num jipe velho, que caÃa aos pedaços, e ambos foram visitar as favelas de Campos do Jordão.
Encontraram dentro de um barracão imundo, uma criança suja e doente, envolta em jornais, dormindo dentro de um caixote, envolta em fezes e urina.
Apiedaram-se da pobre criança e a socorreram imediatamente. O vereador incrédulo desde inÃcio dos anos 60, passou a ser vice-presidente de Frei Orestes, e, pois, há 50 anos, faço parte da diretoria desta nobre Obra Social. Por isso, sempre digo para o meu coração: “mea culpa, mea culpa, mea maxima culpaâ€.
Deus, na sua onipotência e onipresença, escolheu essa forma tortuosa e estranha para nos aproximar, concedendo-me, hoje, a graça de comemorar também 50 anos de vice-presidência desta Instituição.
Certamente, Frei Orestes não foi apóstolo, mas usou o habito humilde dos apóstolos; não foi um santo, mas perfumou os caminhos da solidariedade humana, como fizeram os santos; não foi um São Francisco de Assis, mas foi e lutou pelas crianças pobres, devotando toda sua vida aos humildes de pequeninos, que amou estremecidamente.
CarÃssimo e amado Frei Orestes!
Todos nós sabemos onde estás. Permita-nos, em nome da diretoria da Sociedade, encerrar esta oração com o pensamento de um autor anônimo:
“Conta teu jardim pelas flores,
Nunca pelas folhas que caem.
Conta teus dias pelas horas douradas,
E esquece por completo as nuvens.
Conta tuas noites pelas estrelas – não pelas sombras.
Conta tua vida pelos sorrisos – não pelas lágrimas.
E alegremente, ao longo do tempo que passou
Conta a tua idade pelos feitos – não pelos anos.â€
|