DE AMOR TAMBÉM SE MORRE
Lá longe, no final dos anos 60, foi nomeado Juiz de Direito em Campos do Jordão o Dr. Paulo de Campos Azevedo, de cativante simpatia e fácil comunicabilidade, que encantou os advogados jordanenses. Muito simples, mas de grande competência. Dir-se-ia que julgava com o código nas mãos, mas com os olhares no coração. De vez em quando, contava uns casos gozados que assistira e participara nas diversas comarcas por onde passara. Lembro-me de um episódio, que me ficou inesquecÃvel.
Certo dia, ao termino do expediente forense, contou ele, quando todo mundo já está cansado, apresentou-se ao magistrado um casal de velhinhos. Ambos de cabelos brancos, já encurvados pelo peso dos anos, o marido, já de pele macilenta, que revelava grave avitaminose, contava com 86 anos de idade. A esposa tremula, por causa do mal de Parkison, andava arrastando os pés e um visÃvel alheamento à s coisas ao seu redor, pois já tinha 81 invernos. O juiz achou estranho que, à quela hora, fosse procurado, e mais estranho ainda o motivo que os levara ao Fórum: queriam desquitar, porque naquela época a legislação civil não previra ainda a separação judicial consensual e tampouco o divorcio. Era uma coisa inusitada que um casal octogenário pretendesse desquitar. Por que motivo? Afinal de contas viveram juntos oito décadas e tinham filhos, netos e bisnetos. Haviam constituÃdo uma enorme famÃlia e eram de elevado conceito social. Iniciado o processo, o magistrado esforçou-se sobremaneira para fazê-los desistir da idéia. Entretanto, o marido se revelava intransigente, não queria ouvir os conselhos do juiz, ao contrario, manifestou determinado propósito de separar-se da esposa octogenária, que, em silêncio, não oferecia qualquer resistência, concordava com a pretensão do esposo.
“Passados alguns dias – relatou o magistrado – chamei os filhos do casal, explicando-lhes o absurdo daquela decisãoâ€. Eles ficaram comovidos com as palavras do juiz de direito e até o agradeceram pela sua intercessão, mas demonstravam profundo respeito para com os seus genitores, resolvendo por isso, respeitar-lhes as suas vontades. O casal compareceu em juÃzo para a ratificação do propósito de desquitar e o confirmaram. O juiz insistiu novamente na conciliação do casal, inutilmente. O promotor público, obrigado pela lei, a manifestou no processo, deu o seu parecer: “Nada a opor. Tudo a lamentarâ€. Vindo o processo para o juiz proferir a sentença final, resolveu ele guarda-lo na gaveta, a fim de dar tempo ao tempo. Afinal de contas, aquele desquite, na idade dos cônjuges, era absurdo. Um belo dia, de repente, em plena audiência entrou na sala um menino aflito, pedindo ao juiz que fosse à residência de seu avô com a maior urgência possÃvel. Contou o magistrado: “Vi, ao chegar, a velhinha agonizante e ao seu lado o velhinho segurando a sua cabeça. Ao redor do leito, os filhos e os netos da senhora que agonizava. Disse-me o velhinho: “Doutor, o senhor disse-me que a qualquer tempo poderÃamos casar novamente. Pelo amor de Deus, faça logo nosso casamento. Não quero que ela morra assimâ€. O juiz explicou-lhe que ainda não estavam desquitados, uma vez que a sentença ainda não fora proferida e o processo estava guardado em sua gaveta. Ela faleceu, e, passados os anos, ele ainda vivia, curtindo o amargor de seu gesto, pagando com doloroso remorso a decisão absurda que havia tomado quando a esposa estava viva. O velhinho desatinado arrastava-se pela vida, percorrendo a casa dos filhos e netos, roÃdo de saudade e machucado de recordações. O nome da esposa não lhe saÃa dos lábios diariamente. E o juiz de direito, vendo o seu sofrimento concluiu: “É... de amor também se morre...
|