SÓ PORQUE SOU PRETO, NÉ?
Outro dia, um dileto amigo contou-me uma história por ele vivida, que não posso deixar de reproduzir. Era um jovem forte e lutador de artes marciais. Bom, honesto e trabalhador. Fez um sacrifÃcio danado e comprou um automóvel Fiat, modelo Premium, 1998, de cor vermelha. Estava feliz da vida. Sempre estacionava o carro defronte a agencia do antigo Banespa e ia trabalhar.
Certa vez, ao retornar do serviço, levou um susto! Alguém quebrara os vidros da porta dianteira, ingressara no veiculo e furtara o radio toca-fitas. Ficou fulo de raiva! Mas, reclamar pra quem? Para o zelador do cemitério? Para o Bispo de Lorena? Ressentido e machucado, absorveu o golpe e tratou de comprar outro radio com toca-fitas. Passados 10 dias, ao retornar do serviço pelo mesmo trajeto e pegar o carro estacionado no lugar de sempre, a certa distancia, viu um homem negro, alto, forte e de boné na cabeça, virado de frente para trás, forçando a porta de seu carro insistentemente, tentando abri-la. Meu jovem amigo pensou logo: “O cara quer roubar outra o radio com o toca-fitas!†Transtornado, saiu em disparada, ao encontro daquele negro, alto, forte e num salto, voou com os pés no peito do assaltante, derrubando-o com violência. O homem caiu de costas e o meu amigo com os pés sobre o seu peito, gritava: “Safado, ladrão, bandido!†O homem deitado, respondia, repetidamente, ofegante: “Me deixa levantar que eu explico!†Mas explicar o quê? – pensava meu amigo. O tal assaltante negro, levantou-se, arrumou a camisa rasgada, ajeitou o boné na cabeça e disse: “O senhor está vendo aquele carro ali a 10 metros? É o meu Fiat Premium, 1998, de cor vermelha. Confundi o meu carro com o seu. Não sou ladrão. Sou trabalhador. O senhor reagiu com violência porque sou preto, né?†O mundo caiu sobre a cabeça do meu jovem amigo, que pediu a Deus para o mundo acabar ali. Começou a pedir desculpas seguidamente ao senhor negro, perguntando como poderia corrigir a sua precipitação. Queria consertar o inconsertável, corrigir o incorrigÃvel, pedindo desculpas, uma, duas, três vezes, pois reconhecia que o senhor negro não tivera nenhuma culpa. Somente confundira os carros da mesma marca, modelo, ano e cor. Decorridos tantos anos, aquela pergunta até hoje lateja nos ouvidos do meu jovem amigo: “O senhor reagiu com violência, porque sou preto, né?†O episódio me fez lembrar da frase do famoso escritor negro, Lima Barreto, proferida no inicio do século XX: “É duro não ser branco no Brasil!â€
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