UMA GAFE ESPETACULAR
Segundo os dicionaristas, gafe é uma palavra impensada, indiscreta, desastrada. Pode ser uma rata ou esgorregadela, ou ainda um fiasco. Todos temos o nosso momento de glória, mas, o destino, às vezes, nos reserva um dia desastroso, aquilo que se costuma chamar de mancada.
Essa palavra impensada fica latejando o resto da vida e, infelizmente, inesquecÃvel. É o caso que vamos narrar, acontecido lá no final da década de 50, quando Campos do Jordão era mais frio, mais romântico, menos violento, menos predador da natureza.
Um grupo de jovens costumava sair à s noites frias e enluaradas para fazer serenatas debaixo das janelas de suas namoradas. Quando elas apagavam e acendiam as luzes do quarto intermitentemente, os rapazes vibravam, pois tinham a certeza de que ela ouvia a serenata e entendera o recado. Certo dia, ingenuamente, o pessoal resolveu fazer uma serenata no alto do Morro do Elefante na vã pretensão de atingir todas as residências situadas lá embaixo em Vila Capivari. Mesmo que Pavarotti integrasse o grupo, a pretensão seria impossÃvel. Integravam este seleto número de seresteiros os irmãos Pedro e Daniel Cintra, Zico Cintra, Mario Colla Francisco, Nilo Conde como cantores e um extraordinário violinista (cujo nome peço licença para não revelar), que fazia o acompanhamento musical. Seu violão emitia sons maravilhosos na noite iluminada pela Lua. Ninguém queria cantar se não fosse acompanhado por aquele violão mágico. Uma bela noite, a rapaziada resolveu fazer uma serenata nos baixos do Hotel Brasil, de propriedade de EmÃlio Ballion, onde morava uma moça muito cobiçada.
Lá pelas tantas da madrugada, apareceu o guarda-noturno, que repreendeu a todos, pois estavam perturbando o sossego público e isso era contravenção penal. Queria porque queria que todos fossem à Delegacia de PolÃcia. Um dos seresteiros era vereador e exibindo a carteirinha, alegou autoridade. Com carteirinha e tudo, todos foram parar na Repartição Policial, onde o delegado, que também era seresteiro, dispensou a todos. O autor desta crônica fazia parte desse grupo etÃlico-musical, com uma função inédita, pois não sabendo cantar ou tocar instrumento, era o encarregado de transportar o pessoal com seu Ford 1951. Pois foi com o violonista que cometemos uma gafe espetacular. Meio amulatado e com cabelo pixaim, ele andava com uma belÃssima loura a tiracolo, que chamava a atenção de todos quantos andavam nas calçadas esburacadas de Vila Abernéssia. Entusiasmado com a cervejada da noite, comecei a admirar e a descrever os atributos fÃsicos da loira do violinista em uma das mesas da tradicional Confeitaria Elite, ponto de encontro social de Vila Abernéssia. Imprundentemente, fui longe demais. “Puxa que pernas bem torneadas! Que bum-bum perfeito! Que seios ponteagudos! Que andar altivo e provocante!“ Aà fiz uma pergunta trágica: “Quem é aquele loura gostosa que está sempre com você?â€. O violonista olhou-me fixamente e com voz firme, respondeu: “Bem, Pedro, aquela loira que você acabou de despir aqui na mesa da Elite é minha mulher!†Naquele momento desejei muito ter uma sÃncope cardÃaca, para cair durinho ao chão e nunca mais levantar. Procurei e não achei nenhuma palavra na lÃngua portuguesa que pudesse justificar a minha imprudência. O olhar duro e frio do violonista e o seu silêncio tumular foi a mais estridente repreensão que poderia ouvir na vida.
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