A PALAVRA-MEIO E A PALAVRA-FIM
A palavra é o traço distintivo mais relevante entre o animal e o homem. Com ela bendizemos a Deus e amaldiçoamos o Demônio.
De uma palavra – Fiat – operou-se a criação do mundo.
As palavras podem ser flores, podem ser serpentes: podem curar e podem matar.
Joseph Conrad disse: “Dêem-me a palavra correta, no tom certo e eu moverei o Mundo”.
Segundo Vieira, a palavra mais temível é o non. Do princípio para o fim ou do fim para o princípio é sempre non.
Diz o provérbio árabe: “Antes de dizeres a tua palavra, és senhor dela; depois, porém, que a dissestes, ela é que é teu senhor”.
Três coisas queria Sócrates: prudência no ânimo, vergonha na cara e silencio na língua. Gilbran, o maior poeta do Oriente Médio, proclamou que as palavras em torno da Liberdade traziam o próprio sabor do sangue, mas aquelas proferidas em torno da Beleza, uniram os homens.
“Eu construiria uma cidade à beira do mar e numa ilha do porto erigiria uma estátua. Não a Liberdade, mas à Beleza, pois foi ao redor da Liberdade que os homens travaram suas batalhas”.
Por oposição, ante a face da Beleza, todos os homens estenderam as mãos, uns aos outros, como irmãos.”“.
Matheus, nas Sagradas Escrituras, ensinou: “O vosso falar seja sim, sim, não, não. O que vai além procede do maligno”.
A palavra-meio é via de comunicação simplesmente.
A palavra-fim, ao contrário, é a que enriquece a humanidade, instigando a nossa mente, levando-nos à meditação, como por exemplo, nestes versos de Gibran: “Quero que saibas que somos o hálito e a fragrância de Deus. Somos Deus sob a forma de folhas, de flores e, muitas vezes, de fruto”.
A palavra-fim é aquela que se encontra na filosofia chinesa, quando Tsekun foi indagado:
– Haverá uma única palavra que possa servir como lema de conduta de vida?
E o Mestre respondeu:
– Talvez a palavra reciprocidade (shu) – não fazer a outrem o que não quereis vos façam.
A palavra-meio, ao contrário, pode ser espetaculosa, fantástica, mas não tem mensagem e não leva à reflexão.
Pode ser faustosa, mas não é finalística.
Ela é emitida, recebida e passa como a brisa da manhã.
A palavra-fim perdura, germina, instiga e remoe os nossos pensamentos, soando e ecoando em nossa cabeça.
Há verdadeiros acrobatas da palavra-meio que nos arrebatam e comovem com sua eloqüência, mas, depois de escutadas, não deixam vestígios na história da humanidade e tampouco em nossa mente.
Entretanto, há prodígios da palavra. Vamos dar um exemplo.
Contou Afrânio Peixoto que frei Bastos foi convidado a falar na Bahia, na Igreja de São Benedito. Antes de sua oração, desentendeu-se gravemente com os membros da comissão organizadora e enfureceu-se.
Ao subir ao púlpito, cheio de raiva, frei Bastos olhou a imagem de São Benedito e disse:
– Benedito! ... negro ... bêbado ... ladrão!
Um espanto geral e um calafrio percorreu a todos os assistentes, ante aquela terrível heresia.
Mas frei Bastos prosseguiu.
– Negro sim, na cor da pele, mas branco na alma, com que tingias as tuas ações ... Bêbado ... na graça de Deus, com que te alheavas, abismado na contemplação do Senhor ... Ladrão do Santo Menino, que roubaste á Virgem, e não quis deixar-te os braços!
Trata-se de um episódio estonteante que bem retrata os prodígios da palavra.
Outro exemplo. O senador Zacarias, um homem alto e belo, em 1.869, no tempo do Brasil-Império, desentendeu-se com José de Alencar, que era de baixa estatura, e o chamou de “fanadinho”.
O senador José de Alencar respondeu:
– Ora, senhores, sei que alguns homens altos – e aqui não há certamente desses – costumam curvar-se para poder passar por certas portas, mas os homens baixos têm essa vantagem, nunca se curvam. Quando passam pelas portas baixas ou altas, como esta do Senado, trazem sempre a cabeça erguida!
Entretanto, há milhares de exemplos da palavra-fim que provocam e nossa mente e mexem com a nossa cabeça.
Disse, certa vez, Gibran Kalil Gibran: “Quem te dá uma serpente quando pedes um peixe, talvez não tenha senão serpentes para dar. É, então, uma generosidade de sua parte”.
Abraham Lincoln engraxava os seus sapatos nos corredores da Casa Branca, nos Estados Unidos, quando um senador, hóspede do Presidente, assustou-se ao vê-lo naquela postura esquisita, e surpreso, indagou:
– Presidente, mas é o senhor que limpa os seus sapatos?
Lincoln fitou-o em silencio e respondeu:
– Sim, eu mesmo. O senhor limpa os sapatos de quem?
Os árabes escreveram que Allah apanhou uma maçã no Mar Morto, uma rosa, um livro, uma serpente, uma pomba, um pouco de mel, um punhado de terra, misturou tudo e criou a mulher!
Entretanto, há palavras malignas e demoníacas, que não só matam um homem, como também toda a geração. Vamos dar um exemplo. O escritor Albino Forjaz de Sampaio, autor de “Palavras Cínicas” escreveu estas coisas terríveis: “Vender o corpo é melhor que vender a alma, mas vender o corpo e a alma, como seria bom!
Mulheres honradas? Ah! Tu crês em mulheres honradas e em homens bons? És parvo. Todo homem atraiçoa e toda mulher falseia.
Todos mentem. Mentira é do céu, o inferno é mentira.
É mentira Deus, é mentira o Bem, o Amor e a Honestidade. Em que acredito eu? No crime e no dinheiro. O crime é Deus. O dinheiro é Deus, e de ambos o dinheiro é maior.
É por dinheiro que se compram almas, por dinheiro é que as mulheres se vendem. Por dinheiro tudo se compra: as bênçãos das santas e o crânio dos heróis, a blusa de dormir de tua noiva e o rosário do teu confessor. E como o dinheiro ri! Tu nunca viste o dinheiro rir? Despeja um saco de ouro e ouvirás gargalhadas!”
O escritor Mansour Chalita relatou o diálogo do profeta com Deus:
– Senhor, peço-vos uma coisa só: livrai-me da língua dos caluniadores!
– Meu filho, respondeu Deus, você quer ser melhor do que eu?
O poder maligno das palavras pode-se encontrar em “O Príncipe”, de Maquiavel, nos seus dez mandamentos.
1. Zelai apenas pelos vossos próprios interesses.
2. Não honreis a mais ninguém a não ser a vós mesmos.
3. Fazei o mal, mas fingi fazer o bem.
4. Cobiçai e procurai obter tudo o que puderdes.
5. Sede miserável.
6. Sede brutal.
7. Lograi o próximo toda a vez que puderdes.
8. Matai os vossos inimigos e, se for possível, os vossos inimigos.
9. Usai a força, em vez da bondade.
10. Pensai exclusivamente na guerra.
Contudo, com uma só frase, John Kennedy destruiu o decálogo de Maquiavel ao dizer: “Os que tornam impossível à revolução pacífica, tornam inevitável a revolução violenta”.
Finalmente, foi Cristo, há mais de 2 mil anos, que desencadeou a maior revolução da história da humanidade: a revolução da palavra.
Sem armas, sem exércitos, sem bombas, sem derramamento de sangue; convocando, não heróis, mas homens de boa-vontade.
Foram as suas últimas palavras, quando injuriado e insultado pelos judeus: “Meu pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem!”.
Quando um dos ladrões penitenciou-se, pregado na cruz, ao seu lado, pedindo ajuda, Cristo disse: “Em verdade, te digo, hoje mesmo estarás no Paraíso”.Depois disse a Maria: “Mulher, eis aí o teu filho!”.
Às três horas da tarde, proclamou: “Meu Deus, por que me abandonastes?” Em seguida, afirmou: “Tenho sede”, quando um dos guardas deu-lhe vinagre numa esponja. E finalmente, exclamou: “Tudo está consumado (consumatum est). Meu pai, em vossas mãos entrego o meu Espírito!”
Jesus Cristo revolucionou a humanidade através da palavra-fim.
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